Eu gosto de pensar que é uma mensagem do além, uma receita, um aviso. Como se ele estivesse dizendo:
Estou aqui, sei o caminho, vou passar a receita pra vocês.
É muito mais poético pensar assim do que reconhecer que é apenas uma receita médica, de 19-05-1982, com alguns recados rabiscados no verso com a letra dele. Alguns números, nomes, os remédios indicados pelo médico, ele estava gripado.
É como se ele tivesse deixado aquela receita ali, no lugar mais difícil, para que a achássemos 15 anos depois dele ter ido embora, a letra dele, tão bonita!
Nós não estamos reformando a cozinha, nós a estamos destruindo primeiro. Nós não, os pedreiros estão deixando as paredes no tijolo e por isso estão aparecendo problemas, graves problemas que podem nos fazer virar pastel de cimento com tijolos e abrir um buraco no chão do tamanho de uma casa, a minha casa, a casa da Wa que fica em cima.
Falta sustentação, tem laje solta e fendas nas paredes. Nós já sabíamos que havia algum problema e há alguns anos foi providenciada uma coluna de sustentação, porém não suficiente para segurar todas as paredes.
E no meio da destruição, quando o pedreiro retirou uma pedra de mármore que servia como mesa e que tinha embaixo duas gavetas e era onde meu pai tomava café todos os dias, encontramos a receita dele. Claro que ele deve ter colocado a receita na gaveta e alguma coisa a empurrou para dentro e ela ficou ali, bem no meio, debaixo do mármore para ser encontrada anos mais tarde.
Eu me emocionei ao pegar nela, ler o que ele escreveu.
Mas vamos pensar friamente como eu pensei 15 minutos depois de estar com o papel em minhas mãos:
Ele bem que podia ter deixado dinheiro! Por isso usamos os números pra jogar na mega sena e jogo do bicho!
Não ganhamos, ainda, talvez não ganhemos nunca, mas foi bom encontrar aquele papel “vivo” no meio da destruição e principalmente está sendo bom descobrir os problemas que poderiam levar a casa ao chão, chão, chão!
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